Você precisa conhecer o músico e ativista Fantastic Negrito

                    Aos 51 anos, ele é o mais badalado nome do blues no momento
“Sou da geração do hip-hop, mas não fico restrito ao que minha geração produziu”, afirma
De vez em quando, o centenário blues é sacudido por uma onda de renovação e eletricidade. Foi assim quando Jimi Hendrix surgiu, depois muitos outros vieram: Keb Mo, Jonny Lang, Malina Moye, Ana Popovic. Agora, o momento é de Fantastic Negrito. Nos dois últimos anos, ele ganhou o prêmio Grammy na categoria Blues Contemporâneo pelos discos The Last Days of Oakland (2018) e Please, Don’t Be Dead (em fevereiro).

Filho de um imigrante somali muçulmano que se radicou em Massachusetts, Estados Unidos, Fantastic Negrito faz seu primeiro show no Brasil no próximo dia 19, no Cine Joia, em São Paulo. “Brasil? Um país que tem diferenças sociais muito grandes, gente muito rica e muita gente muito pobre, e músicos de alto nível”, ele disse, em entrevista por telefone a CartaCapital, explicando qual é o tipo de ideia que tem do país que vem visitar. Xavier Amin Dphrepaulezz, seu nome de batismo, é um pouco mais que um músico: ativista da afirmação racial, critica ferozmente a política de deportação de imigrantes de Donald Trump, a ascensão das forças neonazistas no mundo, a desigualdade social e o racismo. Falamos com Fantastic Negrito, um artista que vale a pena conhecer.

CartaCapital: Se eu chamar um homem negro de Fantastic Negrito, não vai ser bem recebido. Por que você adotou esse codinome, qual o propósito?

Fantastic Negrito: A intenção foi chamar atenção para os músicos do Delta do Rio Mississippi: Robert Johnson, o rei, Skip James, Sun House, RL Burnside. Jogar o foco naquela música popular dos primórdios, invocar algum poder para dizer às plateias como tudo começou.

CC: Você mencionou alguns nomes dos pioneiros, mas não Howlin’ Wolf.

FN: Ele foi uma influência brutal para mim: o poder, a energia, a voz, a performance de palco. Mas não apenas ele. Ouvi toda aquela grande música. Muddy Waters é igualmente importante.

CC: Você acredita que haja um blues contemporâneo, em oposição àquele blues do passado?

FN: Acredito que cada artista fala ao seu tempo. Eu sou da geração do hip-hop, toda a música que é feita no lugar onde vivo me afeta, mas não fico restrito àquilo que minha geração produziu, procuro tudo que é autêntico e tem força. Sou da cidade, não vou ficar fingindo que sou do campo, que sou de outro lugar. Não vou ficar cantando Down by the River como se fosse meu esse universo, mas ao mesmo tempo esse tipo de música faz sentido para mim, eu entendo as letras, eu entendo o sentimento. Ele me transforma.
Vídeo:https://youtu.be/djWziMwFVWw

AOS 51 ANOS, O BLUESMAN TOCA PLEASE DON’T BE DEAD NO BRASIL (FOTO: DEANDRE FORKS)

CC: Um artista negro, Gil Scott-Heron, também avançou muito no debate sobre os problemas do nosso tempo com um conceito que incluía folk, blues, soul. Como você analisa a música de Scott-Heron?

FN: Eu amo Gil. Tenho sido comparado a ele, mas eu acredito que me espelho mais em Taj Mahal do que em Scott-Heron. Esse é um caso em que eu fico feliz em ser categorizado. Concordo que ele é incrível, posso entender que as pessoas brancas o tenham como um paradigma, por causa do discurso desafiador, mas, embora soul, a gente tenha o mesmo feeling, a mesma origem metropolitana, não acho que sou da mesma linhagem.

CC: Você está vindo ao Brasil em um momento complicado, o País elegeu um presidente identificado com o racismo, que estimula o preconceito. Os Estados Unidos têm Trump, igualmente racista. Como você analisa essa ascensão de forças conservadoras no mundo?

FN: Você quer dizer fascismo? Sim, eu tenho absoluta noção do que está acontecendo. O que se passou foi que as forças do fascismo se aproveitaram do momento em que surgiu o terrorismo e construíram seu discurso a partir do medo. O medo mudou as democracias. O medo funciona, e permitiu a chegada de líderes populistas, fascistas, porque o medo é parte da condição humana. O que posso garantir é que não vou ser orientado pelo medo, só pelo humano. Não considero que minha música seja política, mas ela certamente é orientada pelas noções de justiça, de igualdade.

CC: Um artista negro americano, Childish Gambino, fez sucesso em todo o mundo com um vídeo de grande impacto, This is America. O que você achou daquele vídeo?

FN: Olha, sempre tenho como pressuposto inicial a música. A música tem de ser boa. Quando faço um disco, minha busca é pela grandeza. O vídeo de Gambino foi maravilhoso, uma grande peça de arte, contribuiu para o mundo em que vivemos, eu adorei. Mas é a voz dele que tem o impacto, é o que ele diz que é importante. Eu acredito que o público tem responsabilidade, tanto quanto o artista, em disseminar as ideias, debatê-las. Não é uma ação de mão única.

CC: Três países de grande poder musical, Estados Unidos, Brasil e Cuba, tiveram a escravidão como um dado histórico. Como você acha que esses países devem se comportar em relação à reparação do crime da escravidão?

FN: Sempre temos responsabilidade pelas nossas ações. Tudo que fazemos neste mundo tem um preço; às vezes, todos pagam; outras vezes, somente alguns pagam. Acredito que uma sociedade inteligente deve investir para obter toda a grandeza que puder do seu povo. Todo País deve se mostrar interessado em melhorar a vida de todo o seu povo. E tratar tudo com transparência, com comunicação. Tiveram benefícios com a escravidão? Então têm responsabilidade, têm um débito. É assim com a família, deve ser assim com o Estado. Quando eu faço música, a minha ideia parte do seguinte: pegar a coisa ruim e transformar em coisa boa. Eu cresci entre traficantes e gângsteres em Oakland. Para mim, a memória daquele movimento consiste em tornar a coisa ruim em coisa boa. Eu acredito nisso, na música e na arte.

CC: Em 2017, você abriu shows para o cantor Chris Cornell, que morreu de forma trágica naquele mesmo ano (Cornell, que integrou a banda grunge Soundgarden, sofria de depressão e enforcou-se num quarto de hotel). Como foi essa experiência?

FN: Fiz quase 50 shows abrindo para Chris na turnê Temple of the Dog. Estivemos nos shows pela Europa e os Estados Unidos. Ele me apoiou como ninguém apoiara antes. Eu fiquei em choque. Era um artista muito profundo e um ser humano maravilhoso. Eu o admirei e continuo a admirá-lo.
Fonte: Carta Capital



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