Exceção no campus, mães contam como é a vida de quem estuda e mora com os filhos na USP

Luana Ferrari, Gabriela Pereira e Larissa Ibumi são mães solo que moram no alojamento da USP em São Paulo.
Por Vanessa Fajardo, G1
11/05/2017 09h50

Luana Ferrari, de 32 anos, aluna de pedagogia da Universidade de São Paulo (USP), planejou engravidar durante o curso e utilizar a infraestrutura da instituição como aliada para criar a filha. Porém a realidade foi bem diferente: não conseguiu vaga na creche para a menina, teve de cuidar dela sozinha, pois o pai morreu, e deixou os estudos de lado. Por conta do baixo desempenho acadêmico, foi jubilada (expulsa) da universidade no fim do ano passado.

Para reatar o vínculo com a instituição, Luana teve de apresentar uma justificativa. O pedido de retorno foi aceito. Neste ano, ela também, enfim, conseguiu uma vaga na creche da USP para a filha Gaia, de 2 anos e 8 meses. Agora, pretende retomar a vida universitária e a luta para se formar.
“Fica claro que não existe acolhimento [da universidade com as mães]. Precisamos da creche como espaço de pesquisa e para conseguir ir à aula. Eu crio uma criança, estou fazendo algo pela sociedade. Deveriam ter um olhar mais especifico sobre as mães.”

         Luana e a filha Gaia Maria no corredor do térreo das mães do Crusp (Foto: Fabio Tito/ G1)

Hoje Luana é uma das moradoras do bloco das mães do Conjunto Residencial da USP (Crusp), localizado na Cidade Universitária, em São Paulo. São 12 apartamentos com cerca de 30 metros quadrados destinados às alunas que têm filhos – atualmente só há um pai que mora com a filha. A cozinha e a lavanderia são áreas comunitárias.

No total, o alojamento oferece 1.565 vagas, sendo 1.187 destinadas aos alunos de graduação e 378 para pós. Para ser contemplado, há uma seleção socioeconômica. Quem consegue a moradia não arca com nenhuma despesa, como água ou energia elétrica.

Enquanto não tinha vaga na creche, Luana chegou a ir para as aulas levando a filha. Ela conta que nunca foi impedida por nenhum professor, mas que colegas na mesma situação tiveram problemas. “Conheço casos na Faculdade de Educação de alunas que foram convidadas a sair da sala de aula porque estavam com crianças, mas comigo nunca aconteceu. Eu não gostava de levá-la porque não acho apropriado. Com ela na sala eu não conseguia estudar, nem a Gaia conseguia ser criança.”
Luana diz que ela não vê disparidade entre ser mãe e estudante, mas que a universidade não defende a mesma lógica.

“O fato de ser mãe não deveria nos colocar para fora daqui, mas eu vejo um convite subliminar que diz ‘olha, por que você não deixa isso para depois?’ Eu já escutei: ‘por que você não tranca a faculdade agora e volta quando ela estiver maiorzinha?’. Aí eu penso: ‘poxa, já consegui entrar, estou aqui agora, sou uma mulher negra, da periferia, crio minha filha sozinha. Por que vou desistir?’”

Gêmeos indígenas
Quem também está na batalha por vagas na creche e garantir sua permanência da universidade é Gabriela Pereira, de 35 anos, mãe dos gêmeos indígenas Aruã e Tauã, de 2 anos. Gabriela é aluna de ciências sociais e sua área de estudo é a população indígena. Ela conheceu o pai dos meninos, um indígena, durante uma pesquisa acadêmica na Amazônia.

Na primeira seleção deste ano, Aruã e Tauã não foram contemplados com as vagas abertas. Gabriela entrou com recurso, alegando, inclusive, que as crianças são indígenas e teriam as matrículas garantidas.

Para conseguir estudar, Gabriela contava com a ajuda de sua filha mais velha Pamela, de 19 anos, que cuidava dos gêmeos enquanto ela estava na aula. “Mas também está puxado para ela porque ela faz cursinho pré-vestibular. Mas como minha vaga no Crusp está atrelada ao meu desempenho, a prioridade é que eu curse as disciplinas para continuar a ter direito à moradia.”

Ela também se divide com professora particular de inglês. Pretende cursar mestrado e doutorado e não acha ilusão acreditar que é possível ser pesquisadora e mãe, apesar do ambiente ser desfavorável.
“Me sinto diferente, não sou parte do meio, sempre recebo olhares tortos, de desaprovação, mas isso não me constrange. Eu sei quais são meus objetivos, e a maternidade foi um deles. Tenho prazer em ser mãe e ser pesquisadora também. Eu procuro conciliar os papéis, a sociedade que impõe os obstáculos.”

No fim de abril, depois de conceder a entrevista ao G1, Gabriela recebeu a notícia de que conseguiu as vagas na creche, e Aruã e Tauã começam a frequentar as aulas na segunda quinzena de maio.

Larissa Ibumi Moreira, de 25 anos, mora no Crusp com a filha Helena e estuda história na USP (Foto: Fabio Tito/ G1)

Oportunidades não são as mesmas’
Larissa Ibumi Moreira, de 25 anos, conseguiu vaga para a filha Helena, de 5 anos, em 2012, o que garantiu mais tranquilidade à família. Ela engravidou quando estava no primeiro ano de história, recém-chegada do interior de Minas Gerais. Chegou a trancar o curso e voltou a morar no Crusp, depois que se separou do pai da filha.

“Ou voltava para Minas ou voltava para o Crusp. Dividi um apartamento junto com a Helena e mais duas pessoas, depois saiu a seleção das mães em janeiro de 2016 e desde então eu estou morando aqui.”

Mesmo contemplada pelas políticas sociais da USP, Larissa diz que conciliar todos os papéis não é fácil. Além de estudar, ela trabalha em uma produtora e está escrevendo um livro.

“É sempre um desafio ter de trabalhar, estudar e sustentar uma criança dentro da universidade. Tive de abrir mão de um curso de inglês, por exemplo, que fez com que eu não conseguisse passar no mestrado. É uma serie de sacrifícios e você não consegue estar no mesmo nível de oportunidade de outros alunos. Acho que isso tem de ser compreendido.”

Déficit de R$ 1 bilhão
A assessoria de imprensa da USP informou que hoje são atendidas 346 crianças em cinco creches da instituição, e a maioria é filho de alunos. Em nota publicada em seu site no mês de fevereiro, a USP alegou que não consegue ampliar a oferta de vagas por conta de um déficit orçamentário enfrentando há três anos que chega a R$ 1 bilhão. Sendo assim, segundo o texto, foram priorizadas atividades como ensino, produção e transferência de conhecimento e extensão.

Em 2015, eram atendidas 461 crianças. No entanto, o número diminuiu porque houve uma redução de 30% no quadro de funcionários das creches que aderiram ao plano de demissão voluntária, de acordo com a USP.

Os servidores técnicos e administrativos não contemplados pelas vagas recebem auxílio-creche no valor de R$ 538. Os alunos não têm direito.
Cozinha comunitária do térreo das mães no Crusp (Foto: Fabio Tito/ G1)


Corredor do térreo das mães no Crusp (Foto: Fabio Tito/ G1)

Espaço do bloco térreo das mães no Crusp (Foto: Fabio Tito/ G1)

Gabriela Pereira, de 35 anos, mãe dos gêmeos indígenas Aruã e Tauã, de 2 anos (Foto: Fábio Tito/G1)


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